O tributarista Leonardo Manzan elucida que a reforma tributária trouxe à tona novas tensões federativas, especialmente no que diz respeito ao controle dos créditos de ICMS. Com a substituição gradual desse imposto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), diversos conflitos estão sendo intensificados entre os entes federativos sobre a titularidade e compensação dos créditos acumulados antes da vigência do novo sistema.
A disputa ocorre, sobretudo, pela ausência de clareza normativa quanto à transição. O tema ganhou força diante da preocupação dos estados em garantir receitas futuras e da União em organizar a arrecadação em um sistema nacional mais centralizado. Essa falta de uniformidade vem gerando incertezas jurídicas e pode impactar diretamente empresas que dependem desses créditos para manter sua competitividade.
Créditos de ICMS acumulados e insegurança jurídica para empresas
A gestão dos créditos acumulados de ICMS é essencial para diversos setores, em especial os exportadores, que tradicionalmente possuem grandes saldos credores. A transição para o IBS promete simplificação, mas também gera dúvidas quanto à compensação desses créditos já reconhecidos. A possibilidade de glosa ou limitação futura tem feito com que muitos contribuintes repensem suas estratégias de aproveitamento desses valores.
Ainda que a Constituição reformada garanta a preservação dos direitos adquiridos, a regulação infraconstitucional sobre como ocorrerá essa transferência de créditos continua pendente. Empresas que investiram em planejamento tributário com base no sistema atual agora enfrentam um vácuo de previsibilidade sobre como reaver ou utilizar os valores acumulados.
Implicações federativas e os desafios da governança compartilhada
De acordo com Leonardo Manzan, a criação do Conselho Federativo responsável por gerir o IBS traz um novo modelo de governança compartilhada entre União, estados e municípios. Contudo, esse modelo ainda não se mostrou eficaz para resolver litígios envolvendo competências passadas e futuras. Os estados defendem a prerrogativa sobre créditos do ICMS como forma de preservar sua autonomia e capacidade arrecadatória.
Ademais, há o receio de que a centralização no novo Conselho gere desigualdade de tratamento, especialmente para estados com menor peso político. O desequilíbrio regional, agravado pela extinção de benefícios fiscais localizados, contribui para o aumento das disputas judiciais entre entes federativos e, por consequência, para a insegurança institucional do novo regime.

A judicialização e o papel do STF na mediação federativa
Diante das controvérsias, não é surpresa que diversos questionamentos tenham chegado ao Supremo Tribunal Federal. A Corte já sinalizou que deverá atuar como árbitro da transição, sobretudo para garantir o respeito ao pacto federativo e à não violação de direitos adquiridos. A complexidade técnica do tema exige do Judiciário um posicionamento que equilibre o interesse arrecadatório com a estabilidade jurídica e a previsibilidade para o contribuinte.
Leonardo Manzan aponta que essa tendência à judicialização revela uma falha no processo legislativo de regulamentação da reforma. A ausência de normas claras sobre como lidar com os créditos antigos empurra o problema para o Judiciário, que pode ser levado a decisões casuísticas e desarmonizadas, afetando a lógica nacional de arrecadação.
Caminhos para a segurança jurídica na transição tributária
Para lidar com esse impasse, especialistas sugerem a criação de um mecanismo específico de compensação dos créditos de ICMS com os novos tributos, respeitando critérios técnicos e prazos razoáveis. A proposta envolveria a instituição de um fundo de equalização, com regras claras e parametrizadas, de modo a evitar desequilíbrios entre os estados e assegurar a neutralidade econômica prometida pela reforma.
Segundo Leonardo Manzan, também será fundamental que empresas acompanhem de perto as regulamentações complementares e adotem uma postura preventiva no aproveitamento dos créditos existentes. A atuação coordenada entre departamentos jurídicos e contábeis torna-se decisiva para mitigar riscos e assegurar o direito à restituição ou compensação integral.
Entre oportunidades e riscos
A reforma tributária representa uma janela de oportunidades para simplificação, mas também um campo fértil para litígios se não forem estabelecidos critérios claros de transição. A disputa entre União e estados pelos créditos de ICMS é apenas um exemplo de como o federalismo fiscal brasileiro será testado nos próximos anos.
Nesse contexto, Leonardo Manzan frisa que a segurança jurídica será o bem mais valioso para empresas e entes públicos. A consolidação de um ambiente tributário estável dependerá não apenas da legislação, mas também da capacidade de diálogo e conciliação entre os atores envolvidos.
Autor: Victor Castro